Reportagem publicada no suplemento Revista Dominical do Diário Hoy de Assunção (Paraguai) a respeito de Stéfanos Vassiliadis.
Como o Ulisses de Homero, Stéfanos Vassiliadis, 72 anos, aventureiro e sonhador, armador grego, jurou voltar à sua terra natal algum dia. Enquanto isso, conclui sua obra-prima em Capitán Meza (Itapúa): um barco em forma de peixe. Uma embarcação construída peça por peça com suas próprias mãos. Um barco à sua imagem e semelhança.
Nem Circe, nem Nausícaa, impedirão seu retorno. A odisseia pelo mundo terminou e é hora de voltar para casa. Talvez Penélope tenha se aposentado, cansada de tecer cachecóis, mas desde o Parnaso da mitologia verá sua chegada. Seu filho, por outro lado, o espera, na ilha de Rodes, qualquer dia desses. Boa sorte, Stéfanos!
Stéfanos Vasiliades, armador grego
Desde o Paraguai, um novo Ulisses
Quando Stéfanos Vasiliadis (72 anos) deixou a Grécia para viver a aventura do mundo já tinha em mente um objetivo final: retornar, nos últimos tempos de sua vida, à terra mitológica que o viu nascer para “devolver o que ela me deu, meu corpo e minha existência”.
Com este objetivo, este ancião que aparenta a saúde de um adolescente, constrói um barco original, completamente de metal, em uma oficina de Capitán Meza, Itapúa. Embora — explica — logo transportará sua obra para San Ignacio, onde se encontra trabalhando atualmente.
Ele tem algo de Noé, quando, com sua barba branca e trepado nas costelas de ferro do seu barco, comenta que “minhas únicas ferramentas são um martelo e um ferro de solda”.
Vejamos quem é Stéfanos Vasiliadis, ”armador grego” instalado nesta “Ilha rodeada por terra”, como disse Roa Bastos.
Silêncio sobre o passado
Stéfanos Vasiliadis se escusa em dar referências específicas sobre o seu passado. Ele indica que, em entrevistas anteriores a outros meios, deturparam suas expressões para indicá-lo como “guerrilheiro, ou caçador nazista, ou comunista”. No entanto, menciona que nasceu na ilha de Rodes, Grécia, há 72 anos. Então faz breves referências sobre o mar Egeu, em sua atuação como um combatente na 2ª Guerra Mundial, “participei também de várias revoluções como republicano antimonarquista na Grécia” e como um soldado da resistência. Menciona que mais tarde começou sua longa viagem ao redor do mundo, passando por vários continentes, até que acabou no Brasil.
“Este país me permitiu acumular uma fortuna interessante com a exploração agrícola, no entanto, em seguida, veio o colapso econômico, e fiquei sem recursos: No início da década de 1970, vim para o Paraguai com dois tratores com a intenção de trabalhar e me recuperar economicamente”.
Em nosso país, trabalhou em plantações de arroz e em obras de canalização com seus originalíssimos tratores “feitos em casa”, 4 x 4 (quatro rodas grandes de tração), claro, fabricados pelo mesmo Vasiliadis sobre estruturas provenientes de tanques de guerra, comprados como ferro-velho do governo brasileiro.
A velha ideia do barco
Desde o início de sua vida como andarilho, se fixou uma meta: “Aventuras ao redor do mundo até os 65 anos. Então a construção de um barco, para fazer uma longa viagem por mar e retornar, finalmente, como navegador solitário para as costas gregas “.
“O barco é um presente que me faço pelos 60 anos de aventuras ao redor do mundo e comecei a pensar sobre ele há 40 anos,” afirma o ancião.
“Comecei sua construção há 3 anos. Quando armava a estrutura metálica todos disseram que eu estava louco, mas hoje meu trabalho está concluído em 75 por cento, e seu valor supera os 120 milhões de guaranis”, diz.
O trabalho é financiado pelos trabalhos que realiza Vasiliadis, em seu extravagante trator que chama a atenção por sua marcha lenta e ruidosa. Como aconteceu com a construção do trator, o barco é projetado, financiado e construído por uma única pessoa, o grego.
Parece um submarino
O barco que está construindo possui 30 metros de comprimento, na parte mais alta mede 4 metros e 20 centímetros, e sua largura máxima é de 2 metros e 70 centímetros. Um dos aspectos marcantes é a forma de fuso e sua estrutura fechada (sem ponte) que se assemelha a um submarino, ou alguma máquina feita para navegar por Julio Verne. “Meu barco se parece a um golfinho, e é completamente fechado por sua relação de altura e dimensão com as ondas de alto mar, para evitar que afunde na primeira tempestade”.
A embarcação está dividida em dois andares. Acima fica a cabine de comando, o dormitório para seu único tripulante e um espaço com camas para as visitas ocasionais, um ambiente que ele chama de “recepção”.
Abaixo, está instalada a sala de máquinas, a cozinha, a sala de jantar, uma câmara de refrigeração. Todo o barco terá água corrente e três banheiros, assinalou. Este pitoresco barco será movido por 4 motores de 260 HP cada, que poderão trabalhar em conjunto ou individualmente.
O revestimento de seu barco foi realizado com folhas de aço, de 5 e 6 cm, com costelas horizontais e verticais de ferro a cada 10 cm.
O grego afirma que, na construção de seu navio ele utilizou até agora 500 barras de 12 metros e cerca de 2000 kg de eletrodos. Também relata que o navio terá dois motores auxiliares, para o bombeamento de combustível, sistema de drenagem das secções alagadas, entre outras funções. Também contará com um instrumental completo de navegação e sistemas de radiocomunicações.
Tarefa intensa
O grego, apesar de sua idade, empreende a construção do navio com a força de um adolescente. Os rigores do sol de nosso verão, que abrasa qualquer objeto colocado sobre a estrutura de metal não impede Stéfanos de subir até o topo para bater com um martelo de metal enorme, reforçando as juntas entre as chapas. Não interrompendo semelhante atividade nos rigores do inverno do Alto Paraná.
Vasiliadis trabalha só. Não por falta de assistentes, que iriam colaborar, mesmo que por curiosidade, mas porque é parte de uma condição de vida que o aventureiro se impôs.
Itinerário
Qual seria a rota de retorno, uma vez que o barco esteja concluído? Stéfanos não a tem perfeitamente definida. No entanto estima que fará uma viagem pelo sul do Atlântico, então subirá pelo Pacífico, até o canal do Panamá. Então descerá até o Recife e seguirá para a costa africana, de onde vai começar a viagem de retorno, a viagem final, até a Grécia, “onde quero chegar com minhas últimas forças”.
Comendador
Stéfanos Vasiliadis declara ter o título de comendador. “E tenho documentos para prová-lo,” assinala. De acordo com o grego, o título lhe foi concedido pela República da Síria, há várias décadas.
Segredos de uma saúde de ferro
O ancião demonstra uma saúde de ferro. Seu trabalho, tanto na construção do barco quanto nas tarefas do campo realizadas a bordo do trator lhe obriga a ficar em diferentes climas e, nos dias chuvosos, à intempérie.
No entanto, o grego quase não adoece graças à uma dieta que ele mesmo define como “ideal”.
Em primeiro lugar, menciona que sua alimentação é fundamentalmente vegetariana. Come pouco: nunca mais de 6 colheres, quando se trata de uma sopa. Bebe até 6 litros de água fervida ou chá preto por dia. Ingere dois comprimidos de multivitamínicos por dia. Não bebe leite nunca, com exceção dos dias que o usa como purgante. Come exclusivamente pão de farelo, ou na falta deste, deixa envelhecer o pão comum, até aparecerem os primeiros fungos.
O grego não esconde seu interesse por todas as verduras e ervas selvagens, tais como chicória, curatú, folhas de batata-doce, abóbora, como componentes de sua folclórica salada: “não bebo uma única gota de álcool”, assegura.
Outra chave para a boa saúde é o bom descanso, indica. “Durmo no momento e no lugar aonde o sono me chegue”. Garante que, seguindo esta regra, já dormiu nos lugares mais incríveis, como no meio do bosque ou no centro das cidades, simplesmente “porque veio o sono”.
No entanto, assinala que não há nada melhor para o descanso, que a solidão e “não há nada como estender uma rede no meio de um bosque”.
No entanto, em sua casa móvel, ou no quarto onde vive em San Ignacio, sua cama consiste somente em um cobertor sobre pranchas de madeira e um travesseiro duríssimo, aspectos que também servem para uma boa saúde, de acordo com ele.
Vasiliadis, quando está percorrendo os campos de arroz da região a trabalho, vive em uma casa móvel que vai rebocada pelo trator, então ele não precisa sair do local de trabalho, podendo terminar ou começar sua tarefa quando desejar.
O trator
Uma obra que não está muito distante do barco em termos de criatividade em sua construção é o trator deste cidadão grego vivendo em nossas terras. Serve para construir canais destinados à drenagem dos campos, preferencialmente arrozais.
O que é notável é que a máquina foi construída sobre a estrutura, o … caixa de engrenagens e coroa … de um tanque de guerra desmontado e vendido na década de 1970 pelo governo brasileiro como ferro-velho.
O trator do grego tem motivos para chamar a atenção: seu grande tamanho, sua estrutura extravagante que envolve mais do que o velho tanque de guerra, trilhos de estrada de ferro, tambores adaptados para o combustível e quatro rodas grandes (de tração) em vez das habituais duas grandes e duas pequenas que muitas vezes são vistas em tratores convencionais.
O trator neste momento está em reparação, vai ter um novo motor e reiniciará seu trabalho no campo, “porque há ainda muito a arrecadar para completar o barco”.
O filho de Vasiliadis
O grego comenta que tem um filho, que não há muito tempo veio da Grécia para pedir-lhe para retornar ao seu país.
“Na frente de um gerente de banco de Itapúa, me ofereceu a soma de 50 mil dólares para deixar tudo e ir viver na Grécia. Eu lhe respondi que era melhor que me presenteasse um revólver para meu suicídio antes de interromper minha aventura de retornar à Grécia pelo mar.
Quero chegar na Grécia com as últimas forças de minha vida”, comenta.
“Ficaria orgulhoso se eu só tivesse algumas horas de vida no meu país, depois da fabulosa aventura de chegar até estas costas pelo mar, como meus antepassados…”
O barco virá a San Ignacio
O comendador Vasiliadis relatou que tratará junto à Prefeitura de San Ignacio, da permissão para a instalação de sua oficina de construção do navio (cujo nome não quis revelar ainda) em um local público desta cidade.
Finalmente confessa: “Minha disciplina de trabalho é o culto à inteligência e ao esforço. Nada do que fizeram outros homens no mundo, posso deixar de fazer eu mesmo; assim mentalizo”.
Seus olhos azuis e sua barba branca, suas feições de personagem bíblica. É como se o estivéssemos vendo em alguns anos, navegando pelo Mediterrâneo, o Egeu, ou mar Jônico, com o único rumo: a imortal Atenas.