Lins se torna grega no feriado

Cidade comemora com grande festa tombamento histórico e renovação da “igreja dos gregos”, primeira ortodoxa do Estado

Cristina Rodrigues Franciscato/Especial para o JC

Lins – Azeites, vinhos, comidas típicas, muita música e apresentação de tradicionais danças gregas darão o tom da festa que a Prefeitura Municipal de Lins e a Coletividade Helênica de São Paulo promovem amanhã, na cidade de Lins (102 quilômetros de Bauru). Panyghiri é uma comemoração comum na Grécia, promovida por uma igreja no dia da festa do seu padroeiro. Ela lembra as nossas quermesses. A razão da festa de amanhã é o tombamento histórico e renovação da “igreja dos gregos”, como é conhecida na região a primeira igreja ortodoxa do Estado de São Paulo, construída em estilo bizantino.

A igreja foi erguida por um imigrante grego da ilha de Rodhes, Stefano Vassiliadis (falecido em 1997), e inaugurada no dia 8 de setembro de 1958. É dedicada a Aghia Tsambica, a Virgem da “sagrada luz”, e envolve uma curiosa história acontecida há 200 anos. Um pastor da cidadezinha de Archangelos, em Rhodes, viu, certa noite, uma faísca de luz na montanha próxima à cidade. Observou a misteriosa claridade durante as noites seguintes.

Ele reuniu pessoas e subiu a montanha em direção à faísca. Lá, encontrou um ícone de prata da Virgem Maria iluminado pela chama de uma lamparina. Os ícones são representações em pintura, mosaico ou baixo relevo, de Cristo, da Virgem Maria ou de um santo. Eles substituem, na igreja cristã ortodoxa, as estátuas da igreja católica romana.

A notícia se espalhou e chegou a um monastério da ilha de Chipre, de onde o ícone da virgem e sua lamparina haviam desaparecido. Autoridades eclesiásticas vieram recuperá-lo e levaram-no de volta ao lugar de origem. Novamente o ícone desaparece e ressurge na montanha de Rodhes. Mais uma vez é levado e, uma vez mais, reaparece sobre a montanha. Os habitantes de Archangelos construíram então uma igreja para abrigar o ícone milagroso. Deram-lhe o nome de Aghia Tsambica, por ter sido encontrado por meio de uma faísca (tsaba em grego). A montanha ficou conhecida como Thirá, que significa “senhora”, pois as pessoas da ilha diziam ir até “Thirá” quando queriam estar no local onde aparecera “Nossa Senhora”.

A colônia grega em Lins foi fundada pelo tio de Stefanos Vassiliadis, o imigrante Nicolau Zarvos que, junto com outros gregos, veio para trabalhar na agricultura da região. Bem-sucedido com o plantio de arroz, Vassiliadis queria trazer os pais para o Brasil. Construiu a igreja -réplica exata da existente na ilha de Rodhes – entre outros motivos, para vencer a resistência da mãe, grande devota do cristianismo ortodoxo e de Aghia Tsambica.

Na década de 60, os gregos começaram a sair de Lins e a igreja foi caindo em desuso. Em 2004, um estudante do Instituto Americano de Lins, Lucas Fernandes, dedicou-se a pesquisar a história da igreja e seu trabalho concorreu com mais de mil projetos num concurso patrocinado pela Fiat com apoio da Unesco, Ministério da Cultura e Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

Fernandez ganhou o prêmio principal e isso contribuiu para conscientizar as pessoas da necessidade de se preservar a “igreja dos gregos”, patrimônio de Lins e região. O templo tornou-se o primeiro imóvel tombado na cidade.

Marina Zarvos Ramos de Oliveira, descendente dos fundadores da colônia grega de Lins e grande defensora do tombamento da igreja, conta que esta reinauguração do templo visa sensibilizar a população da cidade para o tesouro que Lins possui. “Iniciamos, com esta festa, a segunda etapa da nossa cruzada, que é conseguir parcerias para uma possível restauração da igreja, ou, no mínimo, para sua preservação. Ela já foi incluída pela prefeitura no roteiro turístico da cidade.”

Sobre a possibilidade de serviços religiosos constantes na igreja, Marina explica que não há em Lins número suficiente de fiéis que justifique a Catedral Ortodoxa Metropolitana de São Paulo enviar um padre para tais celebrações. A intenção, num primeiro momento, é realizar uma missa anual, sempre em 8 de Setembro, dia consagrado a Aghia Tsambica, em Archangelos, Rhodes.

Marina resume que o objetivo fundamental das famílias gregas de Lins é “preservar o templo, honrar os antepassados, propagar a fé em Aghia Tsambica, fortalecer nossas raízes e nossa identidade.”

As comemorações começam hoje, para convidados, com um coquetel de abertura e uma apresentação histórica, pelas irmãs Helena Zarvos e Marina Zarvos Ramos de Oliveira, sobre a ilha de Rhodes e a construção do templo ortodoxo. Haverá também uma palestra sobre “Ícones Bizantinos e o Sagrado na Grécia”, com a terapeuta Vera Couto. Muitos membros da Coletividade Grega de São Paulo estarão em Lins neste final de semana.

Amanhã será realizada a grande festa ao redor da igreja, aberta ao público. Primeiro, às 17h, uma missa ortodoxa no interior do templo. Depois, a “quermesse” com as barraquinhas de comidas e produtos típicos. O visitante poderá experimentar moussaká, espécie de lasanha de berinjela e carne moída, símbolo da culinária grega. Encontrará também pastas de azeitona, coalhada seca, charutinho de uva e outras iguarias. Haverá uma barraca de souvenires com chaveiros feitos com o “olho grego”, elemento de sorte que evita o mau-olhado.

Também serão vendidos vinhos da ilha de Creta, azeitonas e azeites gregos, o ouzo e a retsina. Ouzo é uma bebida destilada a partir do álcool da uva e aromatizada com erva doce, que em grego se diz “glykánisos”, de onde vem nossa palavra anis, outro termo para erva-doce. Retsina é um vinho branco, seco, de baixo teor alcoólico, ao qual se adiciona, durante a fermentação do mosto, resina de pinho, responsável por seu sabor peculiar.

Como é próprio das festas gregas, haverá muita música ao som do bouzouki, instrumento típico do país, e apresentações de danças de várias regiões da Grécia. Estarão presentes o conjunto musical Olímpia e dois grupos de dança, o do Centro Kaváfis e o Zorbás, todos de São Paulo e integrados por descendentes gregos e simpatizantes da cultura. Quem quiser conferir sons e sabores da Grécia é só ir para Lins e, lá chegando, perguntar onde fica “a igreja dos gregos”.

Fonte: JCNET.com.br